quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Drogas: a construção do consenso - Fernando Henrique Cardoso e Luiz Paulo Barreto.

Fonte: Blog do NOBLAT - Globo.com [23.02.2010]

Esta semana, na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pode ocorrer um encontro entre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e Luiz Paulo Barreto, atual Ministro da Justiça do governo do presidente Lula.

Um encontro pelo menos inusitado em época de crescente campanha eleitoral. E mais: também deverão estar presentes deputados do PT e do PSDB, e o governador Sérgio Cabral, do PMDB.

O tema é legislação para combate ao tráfico de drogas. O possível encontro tem pelo menos três simbolismos importantes.

Primeiro, realiza-se na Fiocruz, uma das instituições científicas de maior credibilidade não só do Brasil, mas do mundo. Um encontro com sentido não-partidário, reunindo líderes partidários. O presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, é também presidente da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia. O conhecimento científico pode colaborar na formulação de políticas públicas adequadas para o tratamento dos usuários. Além de fundamentar legislação e estimular o debate não-emocional.

O Ministro Luiz Paulo Barreto, carioca de origem, economista de formação, faz sua primeira viagem oficial ao Rio de Janeiro exatamente para enfrentar um dos principais problemas de competência do Poder Executivo Federal: o combate ao tráfico internacional de drogas e de armas. É simbólico.

Segundo, evidencia que mesmo entre líderes partidários existem certas convergências que não dependem de partidos, segmentos, classes, grupos ou governos. São convergências supra-partidárias. Interesse do Estado e não dos governos. Nas últimas eleições presidenciais, a questão da segurança pública não teve a prioridade que teve então educação, saúde e emprego, por exemplo.

Nas próximas eleições, entretanto, a segurança pública tende a ser a principal preocupação do eleitor. Os governos vão ser julgados pelo que fizeram na segurança pública. Os candidatos serão avaliados pelo que propuserem para a segurança pública.

Terceiro, a convergência dos divergentes é a melhor evidência da prática da democracia. Não existe democracia sem divergência, pluralismo. Evidentemente que cada um tem suas prioridades e acredita que o seu é o melhor caminho. Mas debater é preciso. Democracia não é apenas eleição. É também o diálogo dia-a-dia das políticas.

Dois pontos principais serão objetos da reunião. O primeiro é a necessidade de bem caracterizar a organização criminosa. Para melhor punir. É o projeto de lei sobre organizações criminosas recém aprovado no Senado e que agora irá para a Câmara.

O projeto tornará mais fácil o trabalho da polícia, do delegado, do Ministério Público e do juiz, que poderão  focar naqueles que realmente merecem punição: as organizações para a prática de crimes.
O outro ponto: a definição da fronteira entre ser usuário, ser pequeno traficante ou ser uma organização criminosa para o tráfico de drogas.

Hoje, se um jovem é pego com dois cigarros de maconha, por exemplo, fica sujeito não só à apreensão da droga pelo policial para perícia, mas também a uma verdadeira Via Crúcis. O policial ou o delegado pode registrar a ocorrência através de boletim, determinar a prisão do jovem até que seja feita a perícia na droga, o caso pode envolver o Ministério Público, a Defensoria Pública e advogados.

Será mais um processo que um juiz terá que julgar. O jovem com dois cigarros de maconha passa a engrossar as estatísticas do Ministério da Justiça, que dizem que dos mais de 80 mil presos, 70% são primários.

Durante esse calvário, o jovem dos dois cigarros de maconha pode ser mantido preso, como traficante, sem direito à liberdade. Pode ser submetido a todas as consequências que o precário sistema prisional brasileiro implica. Para muitos uma máquina de fazer criminosos, não de punir ou corrigir.

Se for estabelecido previamente um critério para classificar o que é uso, o que é pequeno tráfico e o que é criação de organização criminosa para o tráfico, esses problemas deixaráo de existir.

A lei não pode permitir que situações como essas aconteçam. Precisa, de antemão, trazer segurança para a sociedade. Trazer segurança para a sociedade é trazer segurança para todos, até mesmo para a mãe do jovem detido com dois cigarros de maconha. O que pensaria essa mãe?

Seria justo tratar seu filho da mesma forma como se deve tratar um grande traficante? É preciso separar o joio do trigo, o grande traficante do usuário. É preciso um acordo legislativo estratégico para que os projetos de lei tratando do tema mais rapidamente caminhem.

O combate ao tráfico não pode ser uma questão dicotômica: legalizar ou não. Ele não comporta soluções simples. Soluções simples e opções radicais, em geral, são erradas. O processo tem que se amparar em consenso acumulativos, experimentais, e em uma avaliação rigorosa e permanente. O encontro desta semana faz parte desse processo de consenso acumulativo.

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